Seria a definição de Uncial apenas o fato do manuscrito ter sido escrito em letras “maiúsculas”?
Quando estudamos os manuscritos do Novo Testamento é necessário saber o mínimo sobre eles, como por exemplo, a forma com que foram registrados, o material utilizado, a letra, a escrita, o idioma, enfim, cada detalhe é importante e relevante para manuscritologia bíblica e a crítica textual. Para isso, 4 categorias são adotadas pelos historiadores para classificar os manuscritos, e são elas os manuscritos em Papiros, as unciais, as minúsculas e os Lecionários.
Neste post falarei sobre manuscritos unciais.
UNICI O QUE?
Se fossemos simplificar esse termo diríamos que uncial se refere a escrita com letras maiúsculas, mas é um pouco além disso, pois o uncial é um estilo de escrita grega e latina utilizado entre os séculos 3 e 8 d.C.. As letras eram grandes e arredondadas e desapareceu definitivamente quando surgiu a imprensa. Esse tipo de escrita com letras maiúsculas era feito praticamente sem espaço e pontuação, inclusive adotava-se algumas abreviações e contrações com o intuito de economizar espaço. Isso tudo porque o registro não era feito no papiro, mas sim num material mais caro e mais difícil de se produzir, o pergaminho.
Haviam dois tipos de pergaminhos, os feitos de pele de animais como cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha, que geralmente eram banhadas com cal e raspadas de modo que seria possível escrever sobre eles. E os mais delicados, chamados de velino, feitos de pele de vitelo ou bezerros abortados, sendo dessa forma uma pela mais fina, lisa, macia e mais clara.
Obviamente os pergaminhos tinham um custo mais elevado, o que fez com que os copistas adotassem a escrita uncial como padrão, pois assim eles economizariam espaço e consequentemente economizariam dinheiro.
Vale lembrar que os pergaminhos, assim como os papiros, não são necessariamente uma única página, muito pelo contrário, muitos deles são volumes maiores que contém várias páginas dobradas e costuradas que forma um único livro, que chamamos de códices.
SÉRIO??? O AGRUPAMENTO DESSAS PÁGINAS SE CHAMAVA CÓDICE???
É isso aí, várias páginas de pergaminhos costuradas juntas formam um livro, neste caso, chamado de códice. O códice Sinaítico, por exemplo, faz parte dos quatro grandes códices descobertos e é considerado pelos acadêmicos como o melhor texto grego do Novo Testamento. Há também o códice Vaticano e esse é importantíssimo para manuscritologia bíblica, pois além do Novo Testamento, há nele grandes porções do Antigo Testamento em grego, ou seja, da Septuaginta. O terceiro grande códice é o Alexandrino, este é o mais antigo e o mais completo de todos eles.
E por fim, o quarto grande códice já encontrado é o Ephraemi Rescriptus, nome dado por ser um palimpsesto, isto é, um pergaminho que geralmente é raspado e lavado para poder ser reutilizado. Neste caso, este pergaminho continha o texto bíblico, mas um homem, chamado Efrém da Síria apagou o texto bíblico para utilizar o pergaminho para escrever seus sermões. Por isso, o nome que significa em português “Códice de Efrém Reescrito”.
Os manuscritos unciais, assim como os papiros, também possuem um método de classificação. Esse sistema se iniciou em 1751 com o teólogo do Novo Testamento chamado Johan Jakob Wettstein que catalogou 23 códices utilizando as letras do alfabeto, sendo a letra “A” atribuída ao códice Alexandrino, “B” ao códice Vaticano, “C” ao Ephraemi Rescriptus e assim por diante até o vigésimo terceiro manuscrito descoberto naquela época.
A questão é que novos manuscritos unciais foram descobertos em 1859 por Constantin von Tischendorf, que elevou de 23 para 64 manuscritos unciais, esgotando, assim, as letras do nosso alfabeto. Para resolver o problema, Tischendorf adotou letras gregas e hebraicas para continuar o processo de classificação.
Em 1909, novos pergaminhos unciais foram descobertos, agora por Caspar René Gregory que elevou de 64 para 161 manuscritos unciais. Lembre-se que Gregory já havia catalogado os papiros, e agora ele adotaria um novo método para catalogar os pergaminhos. Para essa catalogação ele utilizaria numerais simples com iniciado com o “0” para distinguir os códices entre si. 01 se refere ao Códice Sinaítico, 02 o Alexandrino, 03 o Vaticano, 04 o Ephraemi Rescriptus e assim por diante.
Em 1963, o teólogo alemão Kurt Aland, fundador do Instituto de Pesquisa Textual do Novo Testamento e também do primeiro Museu da Bíblia, elevou de 161 para 250 manuscritos unciais. E depois em 1989, ele mesmo foi o responsável por catalogar e aumentar esse número para 299. E não parou por ai, o seu instituto desde 2012 já elevou esse número para 322 manuscritos do Novo Testamento registrados em pergaminhos com essa escrita conhecida como uncial.
Agora, faça as contas, 141 papiros mais 322 pergaminhos somam 463 manuscritos antigos do Novo Testamento. Todos escritos e descobertos em local e datas diferentes, mas com a mesma mensagem. Se isso não te faz confiar que o texto bíblico foi preservado e reflete exatamente aquilo que os escritores originais queriam expressar, não há nada neste mundo que te convencerá do contrário.
No próximo post, continuaremos falando desse tema, apresentando a terceira categoria utilizada para classificar os manuscritos Bíblicos, chamado de minúsculos.
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