Por fim chegamos a última categoria de manuscritos do Novo Testamento, o Lecionário.
Você já ouviu falar em Lecionário? Se você é Católico Apostólico Romano provavelmente sim, mas você conhece sua origem? Sabe qual é a relevância de um lecionário para a crítica textual do Novo Testamento?
Ao longo destes últimos vídeos tenho falado sobre as categorias criadas para classificar os manuscritos do Novo Testamento. Foram 141 papiros, 322 unciais e 2911 minúsculos que compõem os 3374 manuscritos contínuos do Novo Testamento em língua grega. Hoje, falarei da última categoria, os lecionários
Um lecionário nada mais é do que um livro ou uma lista de livros utilizadas para se fazer leituras durante o culto público. Ou seja, escrevia-se nestes documentos tudo o que seria lido durante o culto naquele ano litúrgico. O uso desses lecionários durante os serviços religiosos é uma herança judaica, que na era medieval liam os textos sagrados a partir de uma lógica pré-estabelecida pelos líderes. A única diferença é que os cristãos, com o passar do tempo, inseriram nestas leituras, os textos do Novo Testamento.
Segundo alguns críticos textuais, existem alguns lecionários que contém lições completas para todos os dias da semana, enquanto outros possuem lições apenas para os sábados, domingos ou feriados cristãos. Nestes casos, um lecionário dividia o texto em perícopes, isto é, trechos do texto que seriam lidos num sermão durante aquele culto público.
Kurt e Barbara Aland em seu livro “O Texto do Novo Testamento” dizem que um lecionário na tradição Bizantina era feito em duas partes, o Sinaxário e Menólogo.
Eu sei, são nomes diferentes mesmo, mas é bem simples. Um Sinaxário era lido a partir da páscoa e continha textos dos evangelhos e do chamado apóstolos, isto é, atos e as epístolas. Já o Menólogo era lido a partir de 1º de setembro e era usado para os dias fixos do ano, celebrando eventos na vida de Jesus, de Maria, dos Apóstolos, dos pais da igreja e dos mártires.
A Igreja Católica Apostólica Romana realmente ainda faz uso de lecionários em sua liturgia da Palavra, mais especificamente no momento em que se prepara para os Ritos Iniciais, onde a Bíblia é lida durante a celebração daquela missa.
São 3 os tipos de lecionários utilizados pela Igreja Católica Apostólica Romana, o lecionário dominical ABC, que é utilizado aos domingos e festas solenes. O lecionário semanal, que é utilizado nas missas de segunda a sábado e nas quartas-feiras de cinza. E o lecionário santoral, que é um lecionário usado nas missas em louvor a Maria e os demais santos venerados/adorados pela Igreja.
A questão é que o uso moderno desse recurso não faz da igreja uma igreja tradicional, apenas que ela adotou um sistema funcional. Logo, se apropriar dessa tradição e alegar ser melhor por isso é completamente incoerente, para não dizer estupido. E digo isso pois muitas igrejas protestantes também utilizam esse sistema de rotação de três anos dentro se seu calendário litúrgico. E outra, esse é um sistema criado pelos judeus e não pelos cristãos, logo usar ou não usar um lecionário durante um culto hoje é irrelevante.
Portanto, não confundam as coisas, o lecionário que menciono neste vídeo é uma categoria de manuscritos do Novo Testamento, isto é, mais uma testemunha de que o que temos nas Escrituras Sagradas, são de fato aquilo que os escritores originais escreveram.
De acordo com Stanley Porter já estão catalogados 2453 manuscritos lecionários datados entre o século 4º e 15º d.C. Todos contendo o Novo Testamento grego e reconhecidos como testemunhas da preservação do Texto Bíblico.
Dentre os milhares de lecionários, os mais antigos são 1604 e 1043, datados respectivamente do 4º e 5º séculos d.C. O lecionário 1604 está exposto em Oxford no Reino Unido e o lecionário 1043 em Viena na Áustria. Ambos foram digitalizados e podem ser encontrados nos sites do “Centro para Estudos dos Manuscritos do Novo Testamento” de Daniel Wallace ou no “Instituto de Pesquisa Textual do Novo Testamento” da universidade de Müster na Alemanha.
A maior dificuldade do estudo desse tipo de manuscrito é sua datação, pois ela acabou se tornando imprecisa. Caspar René Gregory defende que o sistema utilizado na divisão das lições, impossibilita que a data seja anterior ao 4º século, isto é, antes da era de Constantino.
Há também o fato de que os lecionários, em sua vasta maioria, foram escritos com o sistema de escrita minúscula, o que daria a entender que seria impossível que estes documentos tenham sido escritos antes do 9º século, quando essa escrita foi desenvolvida.
Matemática básica para finalizarmos esse tema: 141 papiros mais 322 unciais mais 2911 minúsculos mais 2453 lecionários totalizam 5827 manuscritos gregos antigos do Novo Testamento.
O papel da crítica textual é juntar tudo isso, comparar com as traduções em outros idiomas e definir, através da filologia, um estudo cientifico, qual o texto original ou no mínimo o mais antigo do Novo Testamento. Ainda há outras testemunhas dos textos gregos, mas não são considerados relevantes para a crítica textual.
Eai, você ainda acha que o Novo Testamento é uma invenção religiosa qualquer ou que sua complexidade só pode indicar uma única coisa, DEUS PRESERVOU SEU TEXTO POR MAIS DE 2000 ANOS? A escolha é sua!
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